Por Kleber Godoy
Quando se fala em ciência ou em observação, de uma maneira geral, podem-se ter duas expressões diferentes do que se observa: uma forma qualitativa e uma quantitativa. Aliás, no mundo, em tudo que vivemos existem estas duas formas de se olhar para o mundo. Tentarei fazer algumas observações, sem exagerar, explicando o raciocínio que desejo expor. No entanto, o texto não procura ampliar, somente problematizar e iniciar um caminho.
Na Psicologia existem áreas necessariamente descritivas, como a psicologia do desenvolvimento, por exemplo, e sobre esta base podemos qualificar os dados ou quantifica-los, mas há de se ter um cuidado com os segundos, pois a interpretação depende muito do critério utilizado para se chegar a eles, assim como, ao objetivo que se pretende obter com a observação destes dados.
Em sala de aula, o professor aplica provas e uma determinada prova tem conceito máximo “dez”, então o aluno avaliado pode ter nota variando de 0 a 10. Mas será que um 10 vai mostrar que este aluno sabe 100% da matéria? E se ele tem uma nota 5,5, significa que ele sabe exatamente 55% do conteúdo? Não, necessariamente. Talvez uma prova seja eficaz, mas mede muito mais o que está se sabendo no momento da aplicação do que o quanto foi realmente adquirido de conhecimento no repertório daquele indivíduo. Assim, trabalhos teóricos e painéis seriam formas mais amplas de se avaliar, obrigando o aluno a consultar a bibliografia sugerida, buscar mais bibliografia e confeccionar algo maior do que um estudo de um dia para uma prova teórica. Será? Talvez este método também tenha um problema, pois os trabalhos são feitos em grupo e não dá para se saber se todos os alunos do grupo participaram e se alguém não ficou “encostado” só participando com nome e registro acadêmico. São considerações como essas que valem a pena serem propostos ao se falar na interpretação dos dados numéricos.
Para outro exemplo, podemos falar de um exame que avalia o ensino superior, e compara-lo com outros métodos de avaliação, outros exames. Logo, o que explicaria um determinado curso ter nota média no exame do governo federal, nota máxima na avaliação do Guia do Estudante e nota mínima em outra forma de avaliação? O critério utilizado para se medir. Ou seja, não se pode pegar a nota do instrumento onde o curso ficou com nota mínima e dizer que este curso é péssimo. Tem que se olhar para o que se está medindo. Ter um conhecimento mais amplo daquilo que se está vendo.
Indo ainda mais a fundo, pego um dado do ENADE onde as universidades públicas são as que tem maior conceito predominando sobre as particulares. E ai já se fala o seguinte: as universidades públicas são melhores do que as particulares. Será mesmo? Acredito que haja muitas universidades particulares muito boas. O que acontece é que este tipo de avaliação é feito através de uma prova aplicada aos alunos do curso e, podemos pensar, eu disse “pensar”, que alunos de instituições públicas tem maior empenho já que o esforço começou lá no concurso concorrido para entrar naquela instituição, enquanto predomina nas particulares (isto, de modo muito geral, sem querer estigmatizar), alunos cujos pais pagam a mensalidade e não precisam se preocupar com muitas coisas relacionadas ao conceito do curso ou algo do tipo. Portanto, ao fazer uma prova na manhã de domingo, o aluno de uma faculdade pública vai se empenhar em fazer tudo que sabe, enquanto uma parcela significativa das particulares vai querer acabar logo a prova e aproveitar o domingo ensolarado. Não quero dizer que o que explorei acima seja o correto, mas esse tipo de olhar muda tudo na afirmação de que as públicas são melhores que as particulares.
E o Ibope que mede a audiência dos programas de TV? Será que aquele programa de domingo que tem audiência espantosamente alta é o melhor para se assistir no horário? E aquele da TV Cultura que tem audiência mínima é o PIOR? Assim se fala por ai. Mas é assim?
A aprendizagem cultural influencia muita coisa nesse tipo de análise e há de se levar em conta essas informações, estas variáveis, sem tirar conceitos apressados ou inadequados. Isto tudo vale para todo tipo de coisa. Pensem em coisas do dia a dia e irão ver.
Para entrar um pouco mais no âmbito da Psicologia, gostaria de falar um pouco sobre o desenvolvimento, já que acho que um tema interessante e que mostrará muito bem o que desejo expor.
César Coll, doutor em Psicologia e professor catedrático de Psicologia da Educação na Universidade de Barcelona, discute sobre o estereótipo que fala de um decréscimo nas habilidades cognitivas à medida que a idade avança. Fala da importância de testes mais próximos da vida real do individuo, os quais irão mostrar melhor o que se quer testar apoiado em diversos argumentos de um amplo estudo que fez.
Logo, é comprovado que, com o avançar da idade, a inteligência fluida, relacionada aos aspectos biológicos, tem um decréscimo, enquanto a inteligência cristalizada, sendo aquela acumulada no decorrer da vida por aprendizado, tem um aumento. Portanto, há uma menor velocidade cognitiva com o passar do tempo, mas não é um dado que diga tudo sobre o conjunto. E Coll vem dizer da forma como são aplicados os testes, avaliando velocidade cognitiva, tempo de resposta e características, portanto, quantitativas que afirmam um decréscimo cognitivo com a idade. Mas, olhando-se qualitativamente, tendo-se consciência de que os dados quantitativos dizem respeito a um aspecto mais específico, podemos falar que há um acréscimo cognitivo, pois, segundo ele, a pessoa tem mais experiências com a idade e talvez demore mais para responder, mas tem uma resposta, muitas vezes, melhores do que os mais jovens.
Em conjunto com o otimismo de Coll, Gisela Labouvie-Vief, sendo uma teórica pós-piagetiana, fala sobre mudanças da estrutura cognitiva gerando um pensamento adulto pós-formal no início da vida adulta, momento em que é pensada a identidade e escolhas e, onde as exigências da vida adulta forçam duas mudanças significativas na estrutura de pensamento. Assim, começa-se a se pensar no valor prático das situações, uma forma mais pragmática de pensamento, onde se dá mais importância aos assuntos ligados aos papéis que ele está desempenhando, ligados essencialmente à vida prática diária, pois é impossível adotar um pensamento formal total em todas as situações do dia a dia. O segundo aspecto que Labouvie-Vief salienta é o de uma forma diferente de compreensão da vida, havendo um abandono do foco nos fatos e nas metas, entrando em um momento de maior confiança na imaginação e na metáfora, aberto a idéias controversas e incertezas, sendo que a certeza não é possível todo tempo.
São questões que nos levam a sempre levar em conta estes aspectos: o critério que está sendo analisado, a importância e foco dos dados quantitativos e a forma de se interpretar estes dados, levando-se em considerações esquemas externos e influências de variáveis.
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA
Em uma situação de Avaliação Psicológica os dados quantitativos e qualitativos são, antes de tudo, decorrências de um mesmo processo. Etapas de produção que devem ter, cada um o seu local dentro da situação, se completando. “O céu e o mar, a lua e a estrela, o branco e o preto... tudo se completa de algum jeito. A faca e o queio, o certo e o defeito... tudo se completa de algum jeito.” (Música: Ivete Sangalo - Completo)
Logo, os testes psicométricos e toda forma de se quantificar o indivíduo tem sua suprema importância para se ter a Psicologia como Ciência e Profissão. Isto é inegável. E eles têm suas previsões de erro, olhando para as mais diversas características da pessoa avaliada (stress, comportamento, etc.) assim como ambientais. Logo, são sérios e úteis. Mas sozinhos não fazem uma avaliação Psicológica. E lembremos sempre de se olhar o critério utilizado por aquele teste e se este vai avaliar aquilo que se está querendo achar.
Fazendo um paralelo dos testes psicométricos com a teoria do desenvolvimento citada na primeira parte do texto, Cattell, em 1888 publicou o artigo “Testes e Medidas Mentais”, falando sobre a medida do aspecto intelectual usando testes de discriminação sensorial e tempo de reação. Ou seja, nesse tipo de teste, conforme a idade aumenta, menos desempenho o indivíduo terá. Mas, com o decorrer do tempo na história da psicometria, muita coisa evoluiu e hoje os testes levam em conta padronizações e diferenças individuais, assim como uma série de aspectos importantes e cuidadosos para se avaliar adequadamente chegando aos números propostos. Logo, a qualidade dos instrumentos e dos profissionais deve estar assegurada quando se pretende uma avaliação psicológica o mais fidedigna possível.
E como Lya Luft diz: “a quatro mãos escrevemos este roteiro para o palco do meu tempo”, ou seja, utilizando-se de várias etapas, percorre-se um caminho e chega-se a um objetivo, escreve-se o roteiro. Portanto, um processo de avaliação desse tipo, com todo rigor que se deve ter deve assegurar conhecimento psicológico do profissional e sua preparação, assim como ter estabelecido um processo de análise e síntese das informações, interpretando-as qualitativamente. Deve-se levar em conta também o contexto e pessoas analisadas e que tem efeito sobre o indivíduo avaliado. Logo, o uso de instrumentos de observação ou testes auxilia no decorrer desse caminho para se chegar a decisões, diagnósticos, recomendações. Nunca se esquecendo de que há toda uma dimensão ética em jogo e que precisa-se, necessariamente, ter um foco, saber qual tipo de teste utilizar e verificar se o seu construto está de acordo com a situação.
Concluindo, não há problema nenhum em se quantificar dados, quaisquer que sejam, há problema quando se vê somente este aspecto dentro do todo ou do contexto a que se está olhando. Caso contrário, vamos pensar que aquele programa de domingo é ótimo por ter alta audiência, enquanto o outro é péssimo por ter baixos números.
“Não sou a areia onde se desenha um par de asas ou grades diante de uma janela. Não sou apenas a pedra que rola nas marés do mundo, em cada praia renascendo outra. Sou a orelha encostada na concha da vida, sou construção e desmoronamento, servo e senhor, e sou mistério. A quatro mãos escrevemos este roteiro para o palco do meu tempo: o meu destino e eu. Nem sempre estamos afinados, nem sempre nos levamos a sério." Lya Luft
BIBLIOGRAFIA PARA IR FUNDO NA TOCA DO COELHO
BEE, Helen. O ciclo vital. Porto Alegre : Artes Medicas, 1997. 656 p.
COLL, César Salvador; PALACIOS, Jesus; MARCHESI, Álvaro. Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia da educação. Tradução de Angélica Melo Alves. Porto Alegre: Artes Medicas, 1995-1996. 3 v.
ANASTASI, A.; URBINA, A. Testagem psicológica. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
CONSELHO Federal de Psicologia. Resolução 02/2003. Disponível em HTTP:\\ http://www.pol.org.br/ Acessado em 12/03/2007.
NORONHA, A. P. P.; PRIMI, R.; ACHIERI, J. C. Instrumentos de avaliação mais conhecidos: utilizados por psicólogos e estudantes de psicologia. Psicologia Reflexão e Crítica, 18(3). 2005.
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Agradecimento à Profª Dra. Ana Paula Porto Noronha Fagundes, docente da Graduação e Pós-Graduação da Universidade São Francisco (Itatiba, SP) e pesquisadora na área de Avaliação Psicológica, pelos comentários e revisão do texto, assim como por aceitar com carinho a provocação do seu aluno = ).
Oi Kleber... Eu vi o texto. E o agradecimento... Como não aceitar a provocação de alguém como você: consistente, competente, de um coração enoooorrrrme e da sensibilidade à flor da pele. Desejo à você tudo de bom, como não poderia deixar de ser. Beijos e parabéns aos donos do blog
ResponderExcluirkLEBER: ESTOU GOSTANDO DE SEUS TEXTOS. ENTRETANTO, TENHO SÉRIAS DÚVIDAS SE OS PSICÓLOGOS DEVERIAM SE ATRELAR (NA SUA IMAGEM) A TESTES, ESPECIALMENTE OS PSICOMÉTRICOS (MAS TODOS ELES). TENHO MINHAS DÚVIDAS E ACHO QUE FAZER PSICOLOGIA É BEM MAIS QUE AVALIAR ATRAVÉS DE TESTES PADRONIZADOS. COMO DIZ O PSICÓLOGO FERNANDO REY: PESSOAS NÃO SÃO PADRONIZADAS, ENTÃO PORQUE PADRONIZAR TESTES? ABRAÇOS HIRAN PINEL hiranpinel@ig.com.br; http://hiranpinel.blogspot.com/ ABRAÇOS.
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