Por Kleber Godoy
Uma senhora está em sua casa, num dia calmo, quem sabe preparando um café, quem sabe lendo um trecho de poesia. O telefone toca e... momentos depois ela está sendo encaminhada para o hospital. Um trote de seqüestro que a faz pensar que o filho está aprisionado por bandidos tira, alguns minutos depois, a vida dessa mulher que lia poesia ou preparava o café... estava inocente no contexto. E dias antes, em outro local, uma família é assaltada quando está no carro, em programas normais de uma noite qualquer... um menino é arrastado pelo carro em que marginais fugiam. Morte trágica e inevitável. Famílias destruídas. Casos que acontecem no dia a dia, até mesmo rotineiros, mas não deviam ser. Detenhamo-nos mais no segundo caso, que mais me chocou (e desculpe-me o uso de primeira pessoa nessa frase).
É certo que não é bom falar em coisas negativas, devendo sempre atrair a boa sorte e afastando a má. Mas há momentos em que um distanciamento de tais fatos se torna impossível e pode gerar descaso. Mesmo porque todos são interligados uns com os outros. Tudo tem porquês e desse ponto é que os caminhos seguem rumo a cumprir uma missão.
Uma atrocidade. E dizendo isso, precisa-se ir até o dicionário para se saber a dimensão que toma a fala. Encontro a seguinte definição: “Atrocidade: s.f. Qualidade do que é atroz: barbaridade, crueldade.” E realmente foi isso, essa é a dimensão adequada. Mas há outro caminho, pode-se ir ainda mais longe. E pesquisando, encontra-se: “Atroz: adj. 2 gen. Que não tem piedade; desumano; cruel; pungente; monstruoso; feroz.”
Os acusados estão presos e a discussão sobre o tempo de permanência na prisão, assim como a idade penal, é elevada à primeira instância na sociedade e nos palcos políticos do país. Consternação. Manifestação popular. Orações. É preciso tomar atitudes, acionar tudo quanto for possível e resolver o “problema”. O problema qual é? A qualidade da pena que vinga o ato criminoso ou a tomada de decisão que reformula novas bases para uma sociedade mais segura e igualitária? Talvez os dois. Mas o segundo assegura, ou tenta assegurar, o futuro.
Os meninos presos, segundo as definições do dicionário seriam pessoas atrozes, pois cometeram um ato atroz, uma atrocidade. Seriam, ainda na definição padrão, cruéis, bárbaros, sem piedade, desumanos... monstruosos. Quantos adjetivos! E é difícil fazer defesa diante de tanto efeito, pois é tudo verdade. Mas precisa-se pensar na fonte do problema e, por esse caminho, esses rapazes, além de criminosos, também se tornam vítimas.
Não! Não se pode defender o ato criminoso que ocorreu. Não é isso que o parágrafo apresenta. Mas apresenta sim um pensamento de amplas possibilidades para se pensar nas tomadas de decisão para que se evitem novos acontecimentos desastrosos. E seria atroz da parte do texto defendê-los, pensando em tudo que ocorreu, no ato em si e na angústia familiar de João Hélio. Contudo, pensando na condição de vítimas desses criminosos, expliquemos o raciocínio, torcendo para que não haja repulsa, mas entendimento do mesmo.
Os componentes de uma sociedade têm responsabilidade uns pelos outros. Não somente os governos, mas cada um em si e as instituições (familiar, escolar, etc.) como órgãos independentes e, ao mesmo tempo, interligados. Cria-se o crime dentro do meio pela falta de valorização e união que há em tempos presentes. Pela falta de aprendizado e um exemplo bom. Efeitos de um suposto desenvolvimento humano. Levando, talvez, à discriminação, marginalização dos jovens e descaso de uns com os outros.
Portanto, pensemos que esses meninos têm uma história enquanto seres humanos e históricos. Pensemos ainda que tenham uma moradia, local de residência, bairro, dentro de uma cidade, dentro de uma perspectiva de que são seres geográficos. Possuem ainda uma forma de se envolver com o mundo, uma forma de pensar sobre as coisas e interagir com seus hábitos e modos peculiares da vida de seu meio mais íntimo e se tornam seres culturais que se manifestam dentro de uma sociedade. Assim, podemos dizer que suas histórias não tenham sido as melhores, que tenham passado por dificuldades várias e ainda morando em ambientes familiares e sociais sem perspectivas e sentimentos positivos. E ainda sem uma forma de se expressar que os valorizasse. Portadores de angústias iminentes e insatisfatórias. Sem uma boa educação ou oportunidades para que esta acontecesse. São oportunidades que não lhes foram acessíveis. E o modo de fuga foi a criminalidade. Não houve um desenvolvimento emocional e cognitivo que os ensinasse a como se carregar valores e moral. Assim, não se emocionam com o fato, nem pensaram para fazer, pois não há um raciocínio que os favoreça para isso. E, sendo diferente, poderiam ter condições sociais, pessoais, psicológicas e morais para que se tornassem pessoas diferentes, com atos construtivos e sentimentos benignos.
E hoje são pessoas que merecem um desprezo. Talvez pena. E mais ainda: punição!! E pode-se perguntar: hoje, depois da cena em que o garoto foi arrastado por tantos quilômetros, morto brutalmente por ato deles... Será que pensam sobre isso? Sentem arrependimento? Queriam voltar no tempo e eliminar essa cena da história? Não sabemos. E pouco adiantará no momento. A pergunta só é presente por uma manifestação do sentimento que é compartilhado pela população nesse momento.
Entretanto, poderia não ser diferente. E mesmo que as histórias dos indivíduos fossem outras, os mesmos destinos se manifestassem. São apenas especulações para que no futuro se possa impedir tais acontecimentos e sentimentos de angústia. Ou seja, assim como há bandidos nas classes menos favorecidas, há bandidos nas mais altas, dentre as nobres famílias, onde muitos jovens, tendo as melhores oportunidades não desejam e não vão à escola, abolindo uma educação, necessária. E, de outro lado, há pessoas descentes que viveram ali, no mesmo contexto histórico e social que esses meninos. Que, mesmo em piores instituições, aprendem mais do que o básico, mas o necessário e o essencial. São possibilidades e contra-possibilidades, mas que não anulam o pensamento que se expõe aqui. Continuemos...
Leva-se em conta que a história do indivíduo é importante em seu desenvolvimento, pois ele “aprende” através do tempo. É um processo lento e contínuo, que não pára, desde o nascimento até a morte. Sendo todos seres complexos e de uma subjetividade ampla difícil seria dizer o que determinada criança de hoje será no futuro, mesmo analisando alguns aspectos mais importantes. O interior é obscuro... escuro... difícil de penetrar e não seria possível a não ser individualmente. Mas, em defesa do pensamento anterior, há uma possibilidade de minimização do erro. Ou seja, se criar delinqüentes é um erro em um determinado meio, podemos identificar os defeitos que levam à construção de tais indivíduos e, assim, gerar uma massa, que não é nula, mas é menor, de podridão. Trabalhando a minimização, muita coisa muda dentro e fora das pessoas.
Isso leva-nos a pensar sobre culpados? Talvez. E nessa hora se encaixa perfeitamente uma frase de Einstein, que reflete sobre o conceito de ameaça no mundo: “O mundo não está ameaçado pelas pessoas más, e sim por aquelas que permitem a maldade.” E assim, seríamos todos culpados! Claro! Cada um que vive como ser histórico, cultural, psicológico, social, geográfico... detendo em si uma responsabilidade sobre o todo.
Culpa a órgãos públicos, como o governo do estado ou federal pela violência corrente é aumentar o buraco do crime. Mesmo porque, antes de serem organizações de dimensão, são controlados por pessoas. Várias, mas uma a uma. Daí uma abordagem mais individual, reflexão mais centrada.
E se “a tristeza termina onde começa o amor”, pode-se inferir sobre uma falta de maior proximidade entre os membros que compõem um país e o mundo todo. Indo ao dicionário encontra-se, dentre as definições para “proximidade”, a de que é uma “pequena distância”. E sobre “próximo”, acha-se “vizinho”, ou então, “o conjunto de todos os homens”. Bonito. Quase poético. Mas porque é tão bonito, lúdico? Porque é distante de uma realidade onde não se conhece o próprio vizinho de apartamento. E isso compreende o leitor, o escritor desse texto e os ausentes todos. Porém, sem culpar, pois, este texto é antes reflexivo e individualista do que acionista. Antes interno do que externo. É muito válido, apesar de não ser prático, pois tudo que compõe a prática vem de dentro pra fora. E inicia-se, com a penetração de fora para dentro, das palavras aqui fixadas.
Incomodemo-nos. A inquietação é necessária. A mudança... inevitável e urgente.
Por fim, uma consideração necessária, que é um pedido. Um pedido de desculpas por não me apresentar: meu nome é TEXTO. E espero não tê-los deprimido, humanos, em véspera de festas de carnaval, onde tudo isso será esquecido. Silencia-se o recinto. E assim, aqui, as cortinas (no momento, negras) do Teatro da Vida, por ora, então, se fecham.
***
Dedicado à João Hélio Fernandes Vieites, assassinado no dia 7 de fevereiro de 2007, por volta das 21hs, no Rio de Janeiro, quando a família foi vítima de um assalto em seu carro. João tinha apenas 6 anos e foi arrastado por cerca de 7 km, preso ao cinto de segurança, do lado de fora do carro, enquanto os bandidos fugiam. Era filho de Rosa e Hélcio Vieites, deixando também uma irmã, Aline, de 13 anos. Os 5 suspeitos pelo crime estão detidos, dentre eles, um menor de idade.
0 comentários:
Postar um comentário
Deixe aqui sua contribuição, será muito bem-vinda, além ajudar a melhorar o blog acrescenta qualidade à postagem. Agradecemos desde já!